quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

"Preciso não dormir / Até se consumar..."

Por Roberta Mendes

A verdade é que esse raro silêncio em Copacabana do dia 1º de janeiro me tira o sono, acostumado que é a ser embalado pelo tráfego contínuo e ruidoso da Pompeu Loureiro.

Esse silêncio (dentro das possibilidades urbanas da palavra), que me manteve acordada até às quatro da manhã, tirou-me da cama bem cedo, por volta das nove horas, quando, aliás, se fez mais intenso: Copacabana dorme.

Eu, por uma antiga vocação de vigília, fico alerta. Ou, mais precisamente: viva. Pois não se trata da insônia inquieta dos presságios, dessas em que se luta para dormir em vão. Aliás, acabo de ouvir canto de pássaros! Ao que senti, instantaneamente, suavizar-se-me a expressão do rosto, em um sorriso de enternecimento. Pois é precisamente isto que me mantém acordada: o senso de ter a oportunidade irrecusável de experimentar os pequenos e improváveis encantos de uma cena tão pouco usual.


Fico, portanto, voluntariamente acesa. Prazerosamente acesa. Por avidez de não desperdiçar a experiência do silêncio e dos outros sons que ele revela. Por puro deleite de não desperdiçar a travessura de estar viva enquanto os outros dormem. Pelo voyeurismo tal como o de fitar a quem se ama em seu sono saciado de depois do gozo.

Desprevenida de mim, tomo a cidade de assalto. Saqueio a sua beleza de ruas vazias, desfrutando assim, pelos olhos e com os ouvidos, a trégua instável de seu incessante movimento.

Às vezes, a cidade, sentindo-se observada, ameaça acordar e faz um movimento brusco com um caminhão ao longe, como a afugentar instintivamente a presença que lhe espreita. Então suspendo a respiração e me encolho, retesada e muito quieta, escondendo-me do ângulo largo da janela. Refeito o silêncio, relaxo os músculos, aliviados de seu súbito disfarce de imobilidade: ainda dorme. E, enquanto dorme, é minha! É toda de mim, que a experimento, com a tirania de cinco apurados sentidos, plenos de vê-la, ouvi-la, respirá-la. E de tatear nela a textura íntima, imaterial do encanto com a polpa dos dedos (sorrateiros) que a digitam.



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