segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ainda sobre as bandeirinhas

Não posso deixar de me manifestar hoje quanto às bandeiras que desfilam por aqui! Está lindo!
Resisto comentar-lhes a presença já que não nos presenteiam a nós com seus comentários... como podem prezados, deixar carentes de seus pareceres tão preciosos essas blogueiras ávidas e curiosas, como podem queridos não entrar na ciranda dos recados???
Hoje vejo que passam por aqui (de lá) a Espanha e a França, queridas! Temos ainda (daqui) novidades de Petrópolis e nossa amiga São Paulo, ambos generosamente dando o ar da sua graça também no "seja como for", obrigada!
Prezados e Prezadas, Senhores e Senhoras, o lado mais passional (dramático?!) deste blog vos apela, assim desta maneira escancarada, a dizerem se nos gostam :O) comentem queridos, cometam...
Um abraço,
Elis

domingo, 21 de junho de 2009

Pequena





- Eis Barbosa



Era uma pequena morena, de tez bronzeada pelo mesmo sol que tingira os índios seus avós, cabelos pretos escorriam pelos ombros até a cintura de desenho ainda raso pela meninice. Os olhos, como das amigas-irmãs que viria a conhecer em seus dias de mulher, eram grandes e curiosos. Crescia em torno daquele par de amêndoas cor de ônix, que lhe concedia olhar ora doce, ora triste, mas sempre atento.


Cria da terra, imiscuía-se à natureza como parte dela, esticando o corpo no chão fresco para contemplar o céu, solta, cheia de mato nos cabelos emaranhados.


Passava o tempo a pensar, a criar histórias na sua cabeça de doida! E cansava, mudava de posição, estirando-se agora de barriguinha para baixo, queixo sobre os braços cruzados, reparando no chão, que há muito no chão que se reparar.

Das brincadeiras, perguntar era a que fazia o tempo passar muito rápido e divertido. Tanta novidade, tanto acontecendo, o mundo havia começado sem ela e saber era preciso, por isso perguntava tudo, e sabendo do tudo que perguntava, queria saber de seus "porquês". Existiam tantas respostas que logo deu conta do que viria a ser seu tesouro mais precioso, seu brinquedo mais querido: perguntar, “por quê”?

Quanto mais “porquês” perguntasse mais respostas teria, portanto, esse brinquedo era infinito!

Infinito!

Descobrira o único “para sempre” que sua intuição feminina lhe indicava confiável. Tomou-o para si e desde então só sai acompanhada do pensamento!

Feliz, embora fosse sozinha de gente na cumplicidade que tecera consigo. Era menina como as outras, só um tantinho mais repreendida. Nunca acertava direito o vestido, gostava de andar descalçada, tiaras e elásticos de cabelo lhe davam uma dor de cabeça terrível, tinha casca de ferida (e nem ligava!), joelho muito ralado (achava linda a cor do mercúrio cromo!) vontade de chorar “à toa”, esquecia toda hora do inaceitável que era sentar-se como quisesse, que tinha de ter modos no falar, no caminhar, no gargalhar (um contra senso, no auge da alegria lhe chamavam a atenção!).

Ora, mas você não é uma mocinha? Era! Só não entendia o que isso tinha que ver com todo o resto. Mas tentava bem muito fazer como lhe pediam, e tentava fazer como as mocinhas, mas ficava-lhe sempre largo o gesto, e seu coração casmurro insistia sempre de que nada disso era a verdade do “por quê?” buscado sempre.


Nunca diziam que era linda, mas que certamente seria um “mulherão”, e que tinha de se cuidar, murchar a barriga, estufar o peito, ter postura. Assentia com a cabecinha esperta que só queria crescer para poder experimentar as coisas que os adultos descobriam, viajar sozinha, ler os livros que os adultos liam, e também para usar sapato de salto alto, porque o som que faziam nos filmes era coisa muito fina!

Cresceu, fez como queria e brinca muito ainda de perguntar de tudo e do por que de tudo. Encontrou aquelas amigas-irmãs (e uma amiga na própria irmã) ficando menos só. Mudou pouco do que era guardando ainda certo desajeito naquele proceder de mulher ideal que devia ser.

Tem as unhas sem polir, os pés pisando nus a terra, a gargalhada ecoante, exposta num sorriso cheio de dentes, vontade de chorar toda vez que encontra gente humana. Os olhos é que finalmente harmonizaram com seu tamanho, mas ainda não sabe bem se é como deveria ser e de vez em quando acha bem bonito aquele ar distante que têm as outras mulheres.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Bandeiras


Quem serão as pessoas por trás das bandeirinhas? Tu, de Lisboa, que não deixaste o nome? O amigo da Noruega, que passeia, vez por outra, por nossas palavras-vitrines, sem, talvez, sequer demorar-se, mas por tempo suficiente para em nós fincar sua significativa bandeira? O leitor, de solidão tão vizinha, em Duque de Caxias, fazendo companhia a nossas palavras-sonhos, como quem tece meias, velando um sono de criança febril? Quem pôs em nossa geografia íntima a insígnia de Espanha? Quem hasteia em nosso brinquedo de contar a flâmula graciosa da Grécia?

Dizem que assim se deu o primeiro contato entre o colonizador e o aborígene, estes dois representantes de universos tão para o outro desconhecido: o português presenteou ao índio com um espelho, o qual, por sua vez, prendou ao homem branco com a floração espontânea de um sorriso. E, assim mesmo, sem palavras, estes seres singularíssimos se comunicaram e conjugaram um precário “nós” pelo breve instante em que habitaram a mesma cena.

...Às vezes, também bem gostaríamos de interagir com o espelho que nos reflete: que imagem terão de nós? Ou encontrarão, por vezes, vocês em nós, palavras-espelho em que ver refletida uma emoção própria?

Sejam todos bem-vindos ao blog, como bem-vindos são quaisquer comentários, mensagens de náufrago para náufrago, que nos sinalize que, sim, há comunicação possível entre ilhas de existir.

Um forte abraço da
Roberta Mendes

domingo, 14 de junho de 2009

Do Medo ao Público - Diálogo com Paulinho Moska


De: Roberta Mendes
Para: fale@paulinhomoska.com.br
Data: 26 de junho de 2007 21:11
Assunto: Intempestivo

Estava na Modern Sound para comprar um cd de pífano que tinha sido lançado lá. Havia um intenso movimento de pessoas e restrições na entrada. Perguntei a um funcionário sobre o cd, recebi uma comanda destas para anotação de consumo e fui autorizada a entrar.

Dentro em pouco, as luzes diminuíram, as bancadas de cds deram lugar a improvisadas mesas e o ambiente inteiro adotou ares de expectativa. Esperavam você.

E eu, que, até então, nada esperara, fui-me deixando ficar, presenteada pela gratuidade de encantos da noite, essa antiga namorada. Assisti você de um ângulo roubado ao corrimão de uma escada. Eu, anônima. Você, público. Eu, público. Você, autor. Incorporei o intimismo do show e me pus a abrir parênteses em suas fotografias-canções. Fazia mesmo tempo que não escrevia “poemas de guardanapo”, instantâneos...

Quando o show acabou e as pessoas se dispersaram, tive ímpetos de ir até você, que estava próximo, e arriscar a ser o rosto do que, para você, não fora mais que uma impressão de azul no canto do olho. Te estenderia o guardanapo e sairia, um tanto intempestivamente, sem bem entender o que eu mesma pretendia com aquele gesto. Mas a auto-censura, esta, sempre pontual, deteve-me. Que pena! E colocou o guardanapo bem no fundo da bolsa, como se fosse para torná-lo, assim, simbolicamente inacessível, como uma parte de mim - a medrosa -, talvez, intimamente, te supunha.

Mas como o show e as reflexões incidentais não me abandonassem após mais de duas semanas, eis que veio à tona o bilhete em garrafa de náufrago que eu, ainda mais intempestivamente, te entrego. Obrigada, Móbile, por ter mexido no fundo de algumas coisas e provocado, assim, o movimento de trazê-las à tona.

Eis a minha singela “message in a napkin”:

Mas eu só sabia ser público
e não estar na frente ou à frente
de nada ou de ninguém. O olho anônimo,
como a câmera dos espiões,
escondidas em cavidades insuspeitas.
Sem brilho e sem flash: fotografo.
Vejo o palco por um recorte de corrimão.
Estou inundada de impressões e escrevo.
A mesa - um tablado árido,
com cadeiras em volta que não a assistem.
Palavras sem máscaras não são
personagens, nem levam pintura
a justificar a solidão do camarim. Estou despida
e não me mostro e não me faço ver.
Os outros trazem roupas nos olhos...
Ah, como é refratário
esse metal com que nos olham: armaduras.
O que lhes lanço não lhes atravessa. E o que recolho,
quando me recolho,
público, olho que apenas olha.
O autoral em mim não é público!
Mosca capturada pela beleza transparente de uma teia...
A arte não é libertadora, sabia?

- Roberta Mendes

------------------------------------------------------------------------------------

De: Webmoska
Para: Roberta Mendes
Data: 28 de junho de 2007 16:19
Assunto: Re: Intempestivo

Roberta,

Que bom que você me enviou sua "message in a napkin".

Certamente seu poema ficou com um sentido delicioso pra mim depois de eu saber da situação que te levou a escrevê-lo. O acaso nos traz as melhores sensações, não é mesmo? Sempre que estou no palco penso nas histórias que estão por trás do "público"...

Sim, eu também sou público e assisto shows maravilhosos que a platéia me dá. Obrigado pelo seu show, então. Seu olhar certamente me fez bem naquela noite e assim pude olhar para frente e para dentro com felicidade.

Beijo

P Moska
----------------------------------------------------------------------------------------

De: Roberta Mendes
Para: Webmoska
Data: 29 de junho de 2007 18:47
Assunto: Re: RE: Intempestivo

Dos grandes insights que tive ao longo do seu show, um dizia respeito à questão da exposição ao público, que creio seja a mais difícil provação para qualquer pessoa que se proponha a uma manifestação artística. Há, inclusive, os que acreditam que a manifestação artística só se completa - ai de mim – quando atinge o público, interlocutor coletivo de toda arte.

Se assim for, escritores de gaveta, como eu, nem mesmo chegam a ser escritores. Afinal, escritor é aquele que escreve ou que é lido? Pelo menos, já me incomoda a hesitação que continua paralisando meu passo em direção a tornar públicas as coisas que escrevo. Como diria Vinícius, em seu inquietante "O Haver":

"Resta (...)
Essa terrível coragem diante do grande medo, E ESSE MEDO
INFANTIL DE TER PEQUENAS CORAGENS."
Bjs,
- Roberta Mendes

sábado, 13 de junho de 2009

Lembrando o Crato...

Por Roberta Mendes


À época, morávamos no interior, que, pensando bem, era uma forma de morar por dentro, na origem mesma das coisas. Ali, onde a fronteira era um rabisco aleatório de criança e o sotaque cearense se pernambucolizava, esquecido das rixas entre as orgulhosas capitais.

Dali do interior, as capitais mais pareciam periferias, em que a brasilidade se rarefazia no redemoinho globalizante. Mas não ali! O país chegava-nos sem intermediários, sem filtros, deitando-nos raízes, em ligação direta com a terra - donde me vem, ainda hoje, uma sede de barro esturricado e o risco de me encharcar em demasia à mínima exposição a qualquer emoção mais úmida.

Morávamos lá onde se forjavam os modos genuínos da pátria, onde se cunhavam, em suassunas vivências, arquétipos do povo nordestino, este povo dotado de uma tão intrínseca teatralidade, que se presta , bobo da corte incumbido da gargalhada nacional, à caricaturização catártica da própria alma brasileira. Estava mesmo tudo lá, no microcosmo da cidadezinha: a pura raça mestiça. Durando. Negando-se à extinção.

E havia o folclore, não como um verbete esquecido na enciclopédia. Tocava-se-lhe o significado! Estava na rua, vivo, em danças multicores, empoeiradas de caminho. As bandas de pífano, os baques de tambores cabaçais, os irmãos Aniceto, meu Deus! Ali, bem no pátio da escola!

Só de ouvir o tilintar de um triângulo e um couro vergastado de zabumba, saíamos da sala aos pinotes, sapateando cocos, falanges transidas - obedientes ao ritmo como os ratos ao flautista de Hamelin. Apropriávamo-nos da cultura, em rodopios de ciranda e batuques de mineiros-paus. Era nossa! Ai, era tão nossa a memória do povo!

Certa feita, por exemplo, os professores encarregaram cada turma de aprender um ritmo para apresentar na reunião de pais. À minha classe tocou o número da caninha-verde, que dancei, a princípio, encabulada, descabendo no meu tamanho, menina tão grande entre os demais. Depois, fui pegando gosto pelo folguedo, acometida de requebros, até escorrer-me o rastro ocre do papel crepom pelo tronco das pernas. Da manifestação secular, de que muitos talvez jamais tenham ouvido falar, restou-me a vívida sensação de ter-lhe emprestado corpo. E ninguém lava de mim o borrão alegre dessa lembrança, tal como avistar de longe o verde vale ao fim da estrada seca, bem fosse o oásis do sertão como, aliás, lhe chamavam.

A cidadezinha incrustada no sopé da chapada, parecia um rebento, eternamente nascendo de um ventre gravídico de montanhas, respirando sobre nós sua aragem fresca. Eu aspirava os polens fundamente, congestionando os brônquios ignorantes de florescer. Passava julhos asmáticos, o peito temporão piando-me alto pela casa, como se levasse uma avezinha desamparada dentro.

A mãe afligia-se, valei-nos padim pade Ciço!, e me dava beberagens, aprendidas da sabedoria local, condimentadas de exóticos, regionalíssimos sabores. Pois, se é certo que todo antídoto se faz do respectivo veneno, era preciso, para eu me curar das flores do Crato, instilá-lo, gota a gota, na circulação teimosa do sangue, até eu transpirar, em vapores febricitantes, a garapa nauseante de pequis e mel de jandaíra.

Note-se que o exotismo dos sabores se transmitia ao próprio nome das coisas. Ali, a língua inventava estranhos modos de dizer, ressuscitando palavras mortas, improvisando corruptelas, em tão espantosa sintaxe, que o sentido dos ditos não se gastava jamais. Ainda que as histórias cismassem em se repetir...

E não é só que se recontassem os causos, pilando reminiscências. Era o roteiro mesmo das vidas que se reprisava, tomando-se cuidado para trocar o nome dos personagens, a fim de, ao menos, assegurar as novidades...

Era a outra face do cara-ou-coroa da tradição: os rapazes sonhando estudos na cidade grande; as moças suspirando pelo casamento. E como a impaciência é natural da adolescência, criou-se a moda de as moças, aos quinze anos, fugirem desarvoradas, precipitando votos de matrimônio em dramáticas fugas contra oposição nenhuma. Fiéis ao texto, os pais encenavam grandes zangas; mediam forças com os genros ingratos, deixando de falar-lhes e de prover-lhes – esses dois temíveis castigos - para depois desfilarem os netos, satisfeitos, nos bailes do Tênis Clube.

A transgressão era, então, cumprir o destino, apenas mais cedo do que recomendavam os costumes. Depois, os moços fujões se enfastiavam, como se os tivesse a bravata eximido de ousar outra, aventureira existência. As mães bordavam-lhes, queixosas, pesados enxovais, enxovais-âncoras, que os mantinham para sempre ao alcance da asa protetora.

Como podia um lugar de infância tão vasta, ser tão estreito para a juventude?

Talvez por isso, quando nos mudamos, eu intuísse pela conta dos anos, que partia mesmo em oportuna hora. Mais do que saudade, eu levava uma imensa gratidão pelo colorido das memórias e um mal disfarçado entusiasmo pelo tempo-espaço por vir. E vieram outros brasis. E, mais além, alemanhas, descortinando europas, geografias do longe.

Ficou-me, no entanto, a bússola do ser, pelo magnetismo dos afetos, tendendo sempre a leste, apontando a Nordeste – norte primeiro da velha alma retirante. Por isso, tudo que vem de lá reverbera em mim antigas notas de pertencer. Abrasileira-me. Atiça em mim a brasa do amor à pátria.

Feito no dia em que me prostrei nordesterrada ao reconhecer, sem mais nem menos, um assovio entoando a Asa Branca! Meu coração se agalopou do susto. Corri em direção à janela. Lá fora fazia Hannover, ainda. Mas dentro de mim era Crato. Êita saudade de casa! Minha garganta travou, ameaçando chorar. E o país em peso se pôs a cantar em mim!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

A Primazia do Real


Haveria outra forma de despedida possível que não fosse o rompante rasgado à tesoura sem corte de um adeus dito à força do amor negado?

E quando do reencontro compulsório notou a presença dele pelo cheiro que impregnava o corredor, corrompendo-o. Farejava o outro sem o querer e, de novo sem querer, notou que havia deixado de roer as unhas!!! Pasma, chocada, quase ofendida, olhou-o mais, reparando agora por querer, e foi sacudida por dentro, dos pés à cabeça, quando da confirmação: ele havia deixado de roer as unhas!

Esbofeteada por aquele dado de realidade que lhe invadiam as retinas míopes, arregalou os olhos e deu conta de que não reconhecia aquelas mãos. Discretamente passou a perscrutar-lhe o rosto, voltando em seguida para as mãos, e constatou que lá estavam duas informações incoerentes. Mas quando foi que isso aconteceu? Como?

A ausência de narrativa para aquela mudança factual surgia, vestido escuro, olhar austero, entregando em mãos a evidência de que nada mais era como havia sido e que, dito isso (com os verbos conjugados tão somente no passado!), talvez fosse já tempo de assumir o presente, cuja leitura só poderia ser feita a partir... de quê?

Diante de todas as formulações que a olhavam nos olhos, decretava instaurada a confusão! Deixava o corpo presente naquele espaço físico retirando-se imediatamente para as profundezas no intuito de consolar a pequena desavisada que morava dentro de si. Era agora tudo muito confuso... as águas silentes do lago haviam sido perturbadas, e de claras passaram a turvas e nada mais se via!

Serpenteava por toda ela a nítida sensação de que algo estava errado, não era para ser assim, era para ser eu, era o que eu queria! Mas se assim o fosse, de verdade, o fim teria sido adiado até não mais poder... contudo precipitou-se o fim diante da impossibilidade de se viver em paz! Precipitou-se mesmo ou já era chegada a hora?

Um sem número de “não sei” desfilavam, ditos nas mais várias entonações... e quando sentiu a iminência de desmoronar a contenção que impedia, até então, as lágrimas de salgar-lhe a boca, correu a buscar socorro em uma das extensões mais ternas de sua alma! Essa mesma que havia cunhado para a vida a expressão “extensão da alma” como sinônimo de amiga!

Narrou entre lágrimas tudo, e quando finalmente chegou ao ponto cego da questão, “talvez fosse já tempo de assumir o presente, cuja leitura só poderia ser feita a partir... “ salvou-lhe a amiga completando a sentença: a partir da PRIMAZIA DO REAL.

Repetiu em voz alta, PRIMAZIA DO REAL.

Perplexa, todos os pensamentos e sentimentos que dançavam loucamente por sobre a razão congelaram, e se viu diante de toda a sentença, agora completa: talvez fosse já tempo de assumir o presente, cuja leitura só poderia ser feita a partir da primazia do real!

Significando dizer que era preciso, mais uma vez, deixar a fantasia e agarrar-se à realidade, tal qual se havia apresentado quando do fim: obscenamente nua, ostentando o entendimento impossível, o amor irrecuperavelmente transformado em outra coisa, a discrepância entre o que se desejava e a vida que se levava...

Lembra amiga, lembra? Lembra como era? Lembra do que você já não queria mais?

Lembro... sim, eu me lembro! Tonta ainda que estava acalmou-se. O equilíbrio seria restabelecido, erigiu-se um ponto de apoio sobre o qual levantou-se e, agora de pé, pode vislumbrar melhor outras possibilidades.
Elis Barbosa