segunda-feira, 26 de abril de 2010

História de Verão – Parte II


Atônita, consumia com olhos de buraco negro aquela imagem que a sacudia por dentro. O coração pulando na garganta, por onde não passava cisco de ar.

Dominava o animal sem submetê-lo, montava-a sem nada em que se segurar?! Atordoada, admirou-se, indignou-se eufórica e sem saber o que fazer com as mãos deu a direita para a esquerda segurar. Virou-se olhando o chão, olhos apertados. Tudo um repente só, tudo espremido por dentro. Confusa, ofegante, decidiu que não gostava dele. E ouviu um assobio suave e a voz, incerta ainda, do menino acalmando o animal que receberia em seguida os freios na boca e a sela no lombo. Aproximou-se instintivamente, recuou sem saber o motivo.

O menino fazia seu trabalho tranquilamente, não dava por conta do que se passava. Sentiu-se nada. Ele era, ela nada. Doeu a barriga. Saiu correndo de volta para a casa, sem olhar para trás, de volta para o avô.

- Tô com sede.

Estendido o copo pela mão na qual sabia poder confiar, tomou-o, suado, e bebeu como se ali estivesse contido tudo, elixir, esquecimento, descanso, algo que a trouxesse para onde havia estado fazia tão pouco. Era tanta a pressa de viver que a boca não deu conta e escorreu-lhe água pelo queixo miúdo. Viu o sorriso do avô, limpou-se com as costas da mão, devolvendo o afago de sorriso ao velho que a olhava com cara de quem olha algo conhecido de longuíssima data.

Voltava agora escoltada e feliz.


Ventava como há muito não acontecia, a natureza descabelava-se liberta, nada no lugar. Mudava a estação.


- Elis Barbosa