quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Ainda sobre o Reveillon:

Estava lendo desprentensiosamente a versão digital do jornal, para ver como havia ficado gravado na memória coletiva os festejados fogos de Copacabana, já que, ao presenciá-los, gravei-os sob o prisma parcialíssimo das minhas próprias impressões.

Havia ali algumas informações preciosas para uma reconstituição mais precisa do macro-cenário da realidade. Por exemplo, que três pessoas foram atingidas por balas perdidas. E estas, certamente, não experimentaram a sensação de civilidade que a festa me proporcionou.

A verdade é que a queima de fogos em Copacabana me emociona. Talvez porque eu nada espere dela, ao contrário do leitor que deixou no jornal seu depoimento, dizendo-se muito decepcionado com os fogos, por causa da fumaça que a alta nebulosidade provocou (e, me pergunto, que culpa tem a cidade ou os organizadores disso?).

É a quarta vez que a assisto e, em todas as vezes, impressionou-me a multidão que desce em ordeira e fraternal euforia, formando uma procissão espontânea de branco em direção à praia. São famílias, com avós acompanhando netos pequenos; grupos de amigos; casais antigos ou em formação, todos seguem conversando ou rindo e levando seus próprios apetrechos para a festa, que podem ser desde cadeiras de praia, a taças de plástico, braçadas de flores ou mesmo estranhas e kitsch alegorias.

Chegando-se à Atlântica, encontra-se sempre a faixa de areia já tomada pela multidão. As varandas dos prédios coalhadas de silhuetas enfileiradas na contraluz. E, por um momento, todos esperam a mesma e única coisa. Parece-me um modesto triunfo da fraternidade que dois milhões de pessoas, em plena cidade do Rio de Janeiro, difamada mundialmente por sua latente violência, consigam justapor-se em um espaço tão limitado com razoável civilidade, motivo pelo qual parece-me de uma relativa irrelevância o número das ocorrências registradas pelas estatísticas.

Não é tanto a longa exibição pirotécnica que me mobiliza, mas os excertos das cenas circundantes que o olhar captura, sobretudo aquelas que revelam pequenas ilhas de cumplicidade e afeto em meio à turba amorfa, como a do turista gay, girando em torno do namorado com a câmera na mão, filmando-o em vertiginosa ciranda de risos contra o céu colorido.

De alguns prédios, caíram balões brancos. Deixei-me arrebatar pela brincadeira e me pus a correr atrás da cauda de barbante para puxar um para mim. Satisfeita com meu recém conquistado brinquedo, agitei-o para o alto, encolhendo e distendendo o barbante, ioiô ao contrário, deliciando-me com seu flutuante balé. Foi então que senti a mão do menininho puxar-me a barra da saia, o olhar suplicante de incontido desejo para o meu balão. Pediu-me sem rodeios: me dá esse balão, tia? Ah, se eu pudesse daria era um abraço, pensei, já irreversivelmente sentimental e estendi o balão ao menino, profundamente grata por ter despertado em mim essa gratuita generosidade maternal de que sou, às vezes, capaz. Vi-o afastar-se com as mãozinhas inábeis, tentando sustentar com sofreguidão o balãozinho branco no ar, um tanto frustrado com a precariedade de seu vôo. E me dei conta, com um laivo de melancolia, de que não era o brinquedo que desejara, mas a brincadeira. De fato, havia no momento em que me interpelara o menininho uma grande quantidade de balões no chão. O meu interessara-o em particular pelo movimento gracioso da brincadeira que eu lhe imprimira. Mas como dizer-lhe: "ah, menino, é preciso saber inventar as coisas a partir delas mesmas, transcendê-las, animá-las com nosso sopro criador"?

Conselho, aliás, que igualmente serviria ao tal leitor decepcionado com os fogos de Copacabana...


- Roberta Mendes

3 comentários:

  1. Ihh amiga, isso de querer mais a brincadeira ao brinquedo me faz lembrar do que a gente, de quando em vez, muito sem querer, acaba fazendo no amor... quando a gente dedica a um alguém a nossa devoção pelo amor, esquecendo de reparar no ser que às vezes nem é amado, está só ocupando um lugar no cenário! Ui, ui, ui, que isso não pode!!!

    Mas, a respeito de todo o resto, SIM, inventar é preciso!!! E delicioso!!!

    Um 2009 bem imaginativo para nós :O)!!!

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  2. Lindo texto Betinha...muito natural!

    Bjs, Kk

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  3. Querida amiga,

    Somere agora vi o seu comentário,por absoluta falta de familiaridade com os recursos de um blog :-) Tudo tão virgem para mim! Por isso tenho essa alegria desajeitada ainda.

    Obrigada pelo carinhoso olhar!

    Um grande beijo,
    Betinha

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