terça-feira, 4 de agosto de 2009

Ciclos





- Por Elis Barbosa



Fora do território nacional, a muita distância do seio morno da mãe tropical fazia-a flor saudosa e murcha.

Era o banzo. O banzo de quem se via escravo dos seus dias primeiros, apegada feito trepadeira que se alimenta da seiva do mundo real que lhe vira abrir os olhos, banzo de quem partiu sabendo no íntimo que não haveria de ser nada, nem ninguém, em lugar onde não se bate o tambor para fazer vibrar o coração.

Eram passados meses de frio fino e forte, pontiagudo, de fazer sangrar os lábios tão mais acostumados ao sal do mar que ao amargor daquele frio calante.

Nunca dantes a natureza havia parecido aos olhos tão plástica... era um mundo todo de mármore, em matizes de cinza e branco. Frio e estranho, cujo silêncio era interrompido, de quando em vez, por um assovio do outro mundo, trazido pelo vento de fazer chorar. Era tudo de uma placidez rascante donde não se podia esperar mais... nada! Até as cores já tinham ido todas com a despedida das folhas...

O vazio oco que se apoderava de tudo servia-se de sua alma, tomando-a de naco em naco, um pouco mais, e mais um pouco, deixando-lhe já quase que sem palavras, e a ausência das palavras seria seu fim mais definitivo. Frio cinza de silêncio molhado. Olhos apagados, sem mais doçuras, corpo tapado, sem mais loucuras! Nada.

Agonizando naquele infinito alheamento voluntário, pois que viver parecia ter esgotado suas possibilidades, olhava o nada à sua volta, espremendo no peito o último desejo autêntico de vida que cismava em esvair-se, animando a esperança que insistia em desmaiar. Era já quase uma resignada.

Quando então, aconteceu... horas e horas daquele observar vazio revelou, abrupto feito tapa, uma possibilidade. Será? Apertou os olhos de noite, buscando o foco do que já era míope.

Sentiu a presença da Mãe, acolhendo e aquecendo mesmo sem abraçar. Pensou que era confirmação, sentiu crescer o medo enorme de tudo não passar de ilusão, gemeu baixinho.

Dirigindo então, àquela que era a origem do mundo, o olhar suplicante por respostas, fitou-lhe ansiosa. Olha filha, olha só, está vendo? Seguiu o dedo amoroso que apontava justamente para a ilusão que lhe acudia as preces, estremeceu. Olhou para a Mãe que já tinha no rosto o sorriso da certeza, olhou para o chão e viu, e viu que ela viu também! Lá estava, era real, era a terra desenterrando-se de ausência, abrindo-se toda para o sol que haveria de já estar voltando!

Eu não disse a você que a primavera chegava? Hein? Eu não disse? Chegou!


Era um tufo de grama, era a vida voltando! E para ter certeza de que tudo correria da melhor maneira possível, resolveu então, regar o mundo com a lágrima derradeira, que marcaria o início de seu regresso.






3 comentários:

  1. Olá meninas!
    Roberta, obrigado pelas visitas lá no rio. Tô gostando de ver, tá produzindo bastante né?
    Então, tem um presentinho dedicado a vocês lá no rio movediço.

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  2. adoro paisagem, outono e historias loucas.. bjs

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  3. Eu, que já havia tido a experiência em "áudio-livro" dessa cena, adorei vê-la escrita, como um degelo que, inversamente, se cristaliza!

    Ficou tão lindo, tão bom!

    Beijos da amiga-leitora,
    - Roberta

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