segunda-feira, 1 de junho de 2009

A Primazia do Real


Haveria outra forma de despedida possível que não fosse o rompante rasgado à tesoura sem corte de um adeus dito à força do amor negado?

E quando do reencontro compulsório notou a presença dele pelo cheiro que impregnava o corredor, corrompendo-o. Farejava o outro sem o querer e, de novo sem querer, notou que havia deixado de roer as unhas!!! Pasma, chocada, quase ofendida, olhou-o mais, reparando agora por querer, e foi sacudida por dentro, dos pés à cabeça, quando da confirmação: ele havia deixado de roer as unhas!

Esbofeteada por aquele dado de realidade que lhe invadiam as retinas míopes, arregalou os olhos e deu conta de que não reconhecia aquelas mãos. Discretamente passou a perscrutar-lhe o rosto, voltando em seguida para as mãos, e constatou que lá estavam duas informações incoerentes. Mas quando foi que isso aconteceu? Como?

A ausência de narrativa para aquela mudança factual surgia, vestido escuro, olhar austero, entregando em mãos a evidência de que nada mais era como havia sido e que, dito isso (com os verbos conjugados tão somente no passado!), talvez fosse já tempo de assumir o presente, cuja leitura só poderia ser feita a partir... de quê?

Diante de todas as formulações que a olhavam nos olhos, decretava instaurada a confusão! Deixava o corpo presente naquele espaço físico retirando-se imediatamente para as profundezas no intuito de consolar a pequena desavisada que morava dentro de si. Era agora tudo muito confuso... as águas silentes do lago haviam sido perturbadas, e de claras passaram a turvas e nada mais se via!

Serpenteava por toda ela a nítida sensação de que algo estava errado, não era para ser assim, era para ser eu, era o que eu queria! Mas se assim o fosse, de verdade, o fim teria sido adiado até não mais poder... contudo precipitou-se o fim diante da impossibilidade de se viver em paz! Precipitou-se mesmo ou já era chegada a hora?

Um sem número de “não sei” desfilavam, ditos nas mais várias entonações... e quando sentiu a iminência de desmoronar a contenção que impedia, até então, as lágrimas de salgar-lhe a boca, correu a buscar socorro em uma das extensões mais ternas de sua alma! Essa mesma que havia cunhado para a vida a expressão “extensão da alma” como sinônimo de amiga!

Narrou entre lágrimas tudo, e quando finalmente chegou ao ponto cego da questão, “talvez fosse já tempo de assumir o presente, cuja leitura só poderia ser feita a partir... “ salvou-lhe a amiga completando a sentença: a partir da PRIMAZIA DO REAL.

Repetiu em voz alta, PRIMAZIA DO REAL.

Perplexa, todos os pensamentos e sentimentos que dançavam loucamente por sobre a razão congelaram, e se viu diante de toda a sentença, agora completa: talvez fosse já tempo de assumir o presente, cuja leitura só poderia ser feita a partir da primazia do real!

Significando dizer que era preciso, mais uma vez, deixar a fantasia e agarrar-se à realidade, tal qual se havia apresentado quando do fim: obscenamente nua, ostentando o entendimento impossível, o amor irrecuperavelmente transformado em outra coisa, a discrepância entre o que se desejava e a vida que se levava...

Lembra amiga, lembra? Lembra como era? Lembra do que você já não queria mais?

Lembro... sim, eu me lembro! Tonta ainda que estava acalmou-se. O equilíbrio seria restabelecido, erigiu-se um ponto de apoio sobre o qual levantou-se e, agora de pé, pode vislumbrar melhor outras possibilidades.
Elis Barbosa

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