domingo, 14 de junho de 2009

Do Medo ao Público - Diálogo com Paulinho Moska


De: Roberta Mendes
Para: fale@paulinhomoska.com.br
Data: 26 de junho de 2007 21:11
Assunto: Intempestivo

Estava na Modern Sound para comprar um cd de pífano que tinha sido lançado lá. Havia um intenso movimento de pessoas e restrições na entrada. Perguntei a um funcionário sobre o cd, recebi uma comanda destas para anotação de consumo e fui autorizada a entrar.

Dentro em pouco, as luzes diminuíram, as bancadas de cds deram lugar a improvisadas mesas e o ambiente inteiro adotou ares de expectativa. Esperavam você.

E eu, que, até então, nada esperara, fui-me deixando ficar, presenteada pela gratuidade de encantos da noite, essa antiga namorada. Assisti você de um ângulo roubado ao corrimão de uma escada. Eu, anônima. Você, público. Eu, público. Você, autor. Incorporei o intimismo do show e me pus a abrir parênteses em suas fotografias-canções. Fazia mesmo tempo que não escrevia “poemas de guardanapo”, instantâneos...

Quando o show acabou e as pessoas se dispersaram, tive ímpetos de ir até você, que estava próximo, e arriscar a ser o rosto do que, para você, não fora mais que uma impressão de azul no canto do olho. Te estenderia o guardanapo e sairia, um tanto intempestivamente, sem bem entender o que eu mesma pretendia com aquele gesto. Mas a auto-censura, esta, sempre pontual, deteve-me. Que pena! E colocou o guardanapo bem no fundo da bolsa, como se fosse para torná-lo, assim, simbolicamente inacessível, como uma parte de mim - a medrosa -, talvez, intimamente, te supunha.

Mas como o show e as reflexões incidentais não me abandonassem após mais de duas semanas, eis que veio à tona o bilhete em garrafa de náufrago que eu, ainda mais intempestivamente, te entrego. Obrigada, Móbile, por ter mexido no fundo de algumas coisas e provocado, assim, o movimento de trazê-las à tona.

Eis a minha singela “message in a napkin”:

Mas eu só sabia ser público
e não estar na frente ou à frente
de nada ou de ninguém. O olho anônimo,
como a câmera dos espiões,
escondidas em cavidades insuspeitas.
Sem brilho e sem flash: fotografo.
Vejo o palco por um recorte de corrimão.
Estou inundada de impressões e escrevo.
A mesa - um tablado árido,
com cadeiras em volta que não a assistem.
Palavras sem máscaras não são
personagens, nem levam pintura
a justificar a solidão do camarim. Estou despida
e não me mostro e não me faço ver.
Os outros trazem roupas nos olhos...
Ah, como é refratário
esse metal com que nos olham: armaduras.
O que lhes lanço não lhes atravessa. E o que recolho,
quando me recolho,
público, olho que apenas olha.
O autoral em mim não é público!
Mosca capturada pela beleza transparente de uma teia...
A arte não é libertadora, sabia?

- Roberta Mendes

------------------------------------------------------------------------------------

De: Webmoska
Para: Roberta Mendes
Data: 28 de junho de 2007 16:19
Assunto: Re: Intempestivo

Roberta,

Que bom que você me enviou sua "message in a napkin".

Certamente seu poema ficou com um sentido delicioso pra mim depois de eu saber da situação que te levou a escrevê-lo. O acaso nos traz as melhores sensações, não é mesmo? Sempre que estou no palco penso nas histórias que estão por trás do "público"...

Sim, eu também sou público e assisto shows maravilhosos que a platéia me dá. Obrigado pelo seu show, então. Seu olhar certamente me fez bem naquela noite e assim pude olhar para frente e para dentro com felicidade.

Beijo

P Moska
----------------------------------------------------------------------------------------

De: Roberta Mendes
Para: Webmoska
Data: 29 de junho de 2007 18:47
Assunto: Re: RE: Intempestivo

Dos grandes insights que tive ao longo do seu show, um dizia respeito à questão da exposição ao público, que creio seja a mais difícil provação para qualquer pessoa que se proponha a uma manifestação artística. Há, inclusive, os que acreditam que a manifestação artística só se completa - ai de mim – quando atinge o público, interlocutor coletivo de toda arte.

Se assim for, escritores de gaveta, como eu, nem mesmo chegam a ser escritores. Afinal, escritor é aquele que escreve ou que é lido? Pelo menos, já me incomoda a hesitação que continua paralisando meu passo em direção a tornar públicas as coisas que escrevo. Como diria Vinícius, em seu inquietante "O Haver":

"Resta (...)
Essa terrível coragem diante do grande medo, E ESSE MEDO
INFANTIL DE TER PEQUENAS CORAGENS."
Bjs,
- Roberta Mendes

Um comentário:

  1. Quem é mesmo o artista? E o público?

    Bjo da sua "público" nr. 1.

    Kk

    ResponderExcluir