domingo, 30 de agosto de 2009

Tarde em Olinda


- Por Roberta Mendes

Chegando em Olinda ruas cantantes a oferecer tapioca e capoeira meu Deus tanto aroma tantos timbres tanta cor. Irrompe a alfaia. O coração, em prontidão, dispara.

Estou alerta, alerta, como se tivesse acordado-entontecido em meio a um grande perigo. É o Maracatu!

Sofro da ascendência inescapável de seus tambores e danço, demônio ágil, faces em fogo, lábios de sangüíneo carmim.

O tocador me espreita. Sou um bicho que caminha excessivamente perto, eriçando-lhe os pêlos. Seus olhos me fixam e instigam instintos de predação. Medimo-nos sem pressa, serpente e encantador. Mortal minha languidez. Mortal sua atenção. Só um homem sabe fitar assim, maciçamente. Autoritariamente. Como a anunciar: és minha.

Não nos interessa o embate. A tensão mesma nos basta. Cortejamos a latência, a energia em suspensão. Tudo gira em vertiginosa ciranda. Só nossos olhos imóveis, numa intrigante ausência de velocidade, eixo em torno de que gira a ciranda Olinda gira a cidade de mãos dadas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Selo Blog de Ouro


Deve-se ao amigo em letras Flávio Corrêa de Mello a mais que generosa indicação de nosso modesto espaço ao selo de Blog de Ouro. Imaginem nosso espanto, na igual proporção de nosso contentamento. E lembrarmos de como era bom ter as lições condecoradas de estrelas!

Ainda por cima, o jogo é daqueles de que mais gostamos: brincadeira de passar adiante! Se anel ou palavra, reinventada ao passar, ao selo que sela admirações mútuas, tudo tem o gosto das coisas compartilhadas. Corrente assim não se quebra! Depois de muito soprar os dados entre as mãos brincadeiras, lançamos, Elis e eu, as pedras da amarelinha, que marcaram as seguintes casas para o percurso do leitor:

=> O N Z E P A L A V R A S: espaço desenvolvido por Ana Karina Bucciarelli, que, ao mesmo tempo, se revelou e se descobriu no próprio blog enquanto Autora. E, ainda por cima, de excelentes textos, marcados por uma linguagem extremamente poética e delicada. Outro ponto forte do espaço é o diálogo perfeito entre os textos e as ilustrações que lhe acompanham, potencializando a força imagística de suas metáforas precisas.

=> BUTECO DO EDU: blog de um excelente contador de histórias. Edu é, enquanto narrador, o maior personagem de si mesmo, com seu humor ácido e sua ironia desconcertante. Seus textos, geralmente longos, são tão deliciosamente fluentes que conduzem o leitor, com leveza, até a última linha.

=> DIDONEANTE: em contraste com o universo extremamente masculino do Buteco do Edu, temos a escrita feminina, mas não menos vigorosa, da Débora Poulain.

=> O COLECIONADOR DE PEDRAS: espaço onde o escritor e poeta Sérgio Vaz conta, com imagens contundente, sobre suas vivências de periférico, de engajamento literário, de dentro de uma São Paulo revelada a partir da COOPERIFA, em realidade humana. A qualidade literária e as possibilidades infinitas de impressões que o texto do poeta deixam emociona, reclamando reflexão, sensibilidade e entrega.

Outros dois blogs que indicaríamos, quais sejam o TREMA LITERATURA (diversos autores) e o RIO MOVEDIÇO (do próprio Flavio Corrêa de Mello), cuja fluência literária se antevê pelo próprio título do blog, já foram, como não poderiam ter deixado de ser, indicados por outros de seus seguidores-admiradores, o que apenas comprova, pela justa profusão de indicações, a qualidade da literatura ali encontrada, que nos cativa a todos, tornando-nos seus fiéis leitores.

Ao indicarmos quem nos indicou, fechou-se o círculo de uma brincadeira nova: o amigo-público! Ou seria a roda da ciranda de palavra em que giramos todos de mãos dadas e olhos correntes uns sobre as páginas dos outros? Que a brincadeira continue sempre!


Conosco agora não tá!


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Apresento-lhes...



...a
PALAVRA EM FUGA, um novo espaço de criações autorais, surgido do encorajamento de amigos que me fazem coro à voz interior, convidando-a a expressar-se.

Agradeço, especialmente, à Elis, por ter tomado a iniciativa precursora, PARA EU PARAR DE ME DOER, pela delicadeza de saber que o primeiro passo sai-nos sempre mais fácil se temos o amparo de uma mão amiga que se une à nossa.

E que ninguém imagine que o novo projeto foi em alguma coisa diferente, pois ele tem dez dedos e O N Z E P A L A V R A S desta outra amiga-irmã, a Ana Karina Bucciarelli, que tanto nos tem inspirado a seguir o chamado das letras, através da riqueza de seus textos e de seu entusiasmo pelo aprendizado do fazer literário.

Fica então o convite para seguirem-me a
PALAVRA EM FUGA, no que ela consiga ir capturando pelo caminho...

Abraços da
Roberta Mendes

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Ciclos





- Por Elis Barbosa



Fora do território nacional, a muita distância do seio morno da mãe tropical fazia-a flor saudosa e murcha.

Era o banzo. O banzo de quem se via escravo dos seus dias primeiros, apegada feito trepadeira que se alimenta da seiva do mundo real que lhe vira abrir os olhos, banzo de quem partiu sabendo no íntimo que não haveria de ser nada, nem ninguém, em lugar onde não se bate o tambor para fazer vibrar o coração.

Eram passados meses de frio fino e forte, pontiagudo, de fazer sangrar os lábios tão mais acostumados ao sal do mar que ao amargor daquele frio calante.

Nunca dantes a natureza havia parecido aos olhos tão plástica... era um mundo todo de mármore, em matizes de cinza e branco. Frio e estranho, cujo silêncio era interrompido, de quando em vez, por um assovio do outro mundo, trazido pelo vento de fazer chorar. Era tudo de uma placidez rascante donde não se podia esperar mais... nada! Até as cores já tinham ido todas com a despedida das folhas...

O vazio oco que se apoderava de tudo servia-se de sua alma, tomando-a de naco em naco, um pouco mais, e mais um pouco, deixando-lhe já quase que sem palavras, e a ausência das palavras seria seu fim mais definitivo. Frio cinza de silêncio molhado. Olhos apagados, sem mais doçuras, corpo tapado, sem mais loucuras! Nada.

Agonizando naquele infinito alheamento voluntário, pois que viver parecia ter esgotado suas possibilidades, olhava o nada à sua volta, espremendo no peito o último desejo autêntico de vida que cismava em esvair-se, animando a esperança que insistia em desmaiar. Era já quase uma resignada.

Quando então, aconteceu... horas e horas daquele observar vazio revelou, abrupto feito tapa, uma possibilidade. Será? Apertou os olhos de noite, buscando o foco do que já era míope.

Sentiu a presença da Mãe, acolhendo e aquecendo mesmo sem abraçar. Pensou que era confirmação, sentiu crescer o medo enorme de tudo não passar de ilusão, gemeu baixinho.

Dirigindo então, àquela que era a origem do mundo, o olhar suplicante por respostas, fitou-lhe ansiosa. Olha filha, olha só, está vendo? Seguiu o dedo amoroso que apontava justamente para a ilusão que lhe acudia as preces, estremeceu. Olhou para a Mãe que já tinha no rosto o sorriso da certeza, olhou para o chão e viu, e viu que ela viu também! Lá estava, era real, era a terra desenterrando-se de ausência, abrindo-se toda para o sol que haveria de já estar voltando!

Eu não disse a você que a primavera chegava? Hein? Eu não disse? Chegou!


Era um tufo de grama, era a vida voltando! E para ter certeza de que tudo correria da melhor maneira possível, resolveu então, regar o mundo com a lágrima derradeira, que marcaria o início de seu regresso.