sexta-feira, 31 de julho de 2009

PINDORAMA - A VERDADEIRA HISTÓRIA DOS SETE ANÕES


- Por Roberta Mendes

Vem de longe o pitoresco comboio, serpenteando pela estrada. Asfalto, terra batida, tudo deixa para trás. Sobre as rodas vem, como convém a todo viajante, apenas o essencial: a família. E a casa.

Assentam acampamento. Desdobram a lona, sobre o esqueleto desmontável, alvenaria frágil de encaixes e cordas, pinos e parafusos. Sobre o terreno, antes baldio, o burburinho do circo. A novidade, a palavra-rastilho, percorre a cidade em polvorosa.

Manhãzinha, os curiosos se ajuntam em torno da armação. A barriga de lona respira, varada, quando em quando, pelo vento. Não há o que ver. O circo dorme. Ou é a cidade que sonha anõezinhos, numa brincadeira nova de contar: um, dois, três anõezinhos! Quatro, cinco, seis anõezinhos!

Disseram que eram sete, amuou-se um menininho, exigente. O sétimo não se vê, esclareceu o narrador. É Cleidy, irmã mais velha, que se recolheu da vida-espetáculo para viver a vida-bastidor, a ensinar a ler a terceira geração do circo.

Mas tem gargalhada? Tem, sim, senhor! Quem não sabe rir de si mesmo? O palhaço feito um acrobata do tombo é o domador do ridículo, capaz de transformar a chacota iminente no aplauso abonador. Então, é possível ser diferente?, pergunta-se, intrigada, a cidadezinha. Sobretudo, quando se está de passagem! - responde a trupe em jogral.

No microcosmo itinerante, o anão tem voz de comando: patrão e contratante. Presta serviços. Consome. Goza, em cada novo povoado, da cidadania exígua de todo forasteiro, olhado, a um só tempo com curiosidade e desconfiança. Assim, a pouca estatura é só um estranhamento a mais. Alguém dirá que fogem os pequenos artistas. Calhando, tem seu fundo de verdade. Mas também é verdade que não se eximem de estrelar grandes amores.

Têm a valentia dos que enfrentam em si mesmos a maior adversidade. Crescem a fórceps, para muito além da insegurança que vem de olhar o mundo sempre de baixo (tudo parecendo tão grande!), de esbarrar na proibição de trincos altos, para portas que jamais se abririam, não fosse pelo “Por gentileza ...”, solicitado com desconcertante simplicidade.

Palavra-mágica da humildade ou da altivez? Eis que aprendem a ser amigos da própria condição e se assumem, sem a máscara de parecer. Condenados a ser como são, sem disfarce possível, os anõezinhos vivem e convivem no mundo portátil de Pindorama. E de tanto serem o que são é que encantam as cidadezinhas, tão cansadas de parecerem consigo mesmas, no eterno jogo de refletir-se, platéia forçada da performance do próprio, gasto repertório.

No fundo, sabem os anõezinhos que o tamanho é, também, uma mera questão de perspectiva e que, se os olham bem rentes, colados à transparência da vida, há que se lhes reconhecer grandeza e charme e até - quem diria? - admirável poder de sedução. Medem-se entre si pelo carisma, pela alegria que têm. Como, aliás, era para ser. Não é do ser a essência a única métrica confiável? Os anõezinhos dão prova: identidade, sim, é documento!

Um comentário:

  1. Amiga, se como me disseste o diretor foi delicado, você então nem se fala! O texto parece um desenho de linhas nítidas, harmoniosas, delicadas... Lindo, como sempre!

    beijos,
    Elis

    ResponderExcluir