domingo, 24 de maio de 2009

O Banheiro do Papa


O Banheiro do Papa
(ou O Pequeno Conto da América Latrina)



- Por Roberta Mendes

Tão precário é o saneamento da alma humana, a permitir o perigoso refluxo entre o sistema potável do sonho, onde vem beber a esperança, e a água, não raro salobra, da realidade.

O homem, a quem apenas a convenção justificaria chamar o chefe da família, não passa de um menino grande, pronto a alterar a vazão dos tais registros e inundar, com isso, a casa sob a correnteza irrefreável de uma idéia visionária. É talvez a parcela de culpa a que toca a própria inocência na destruição do homem...

Em vão a filha, mulher em botão, condenada à lucidez, professa no improvisado microfone a chegada das hordas saqueadoras, metáfora ao contrário do vazio devastador que se abateria sobre o vilarejo, empenhado inteirinho, casa por casa, pela hipoteca do milagre.

Mas quanto mais caro o prêmio, mais alta é a prestação. E àqueles a quem sempre, tudo faltou foi dado a conhecer a outra face da desolação: a desolação da abundância tornada em sobras; do chouriço apodrecendo à falta de apetite a que servir.


A multidão errática de servos, minguando à falta de senhores - valha-nos Deus!, Senhor de todos os milagres, porque o reino é sempre adiado e a única majestade possível é a do silêncio sobre a súplica inútil dos homens? E a isso chamai de bem-aventurança? Não veio a graça. Mesmo o sorriso demorou a acudir aos lábios.

E no banheiro do papa, terminado às pressas para socorrer urgência nenhuma, sumiu pelo ralo, numa longa descarga, o sonho de ter uma vida melhor. Sobrou a vida. Sem superlativos.


Filme: (El Baño Del Papa - Brasil/ França/ Uruguai, 2005)
Estrelando: César Troncoso, Virginia Ruíz, Virginia Méndez, Mario Silva.
Dirigido por: César Charlone, Enrique Fernández
Produzido por: Andrea Barata Ribeiro, Bel Berlinck, Serge Catoire, Fernando Meirelles, Elena Roux
Gênero: Drama
Tempo: O que dura uma esperança...
Distribuidora: Imovision

3 comentários:

  1. Nossa...para te inspirar a escrever esse texto, o filme já está naquela lista de coisas obrigatórias que preciso fazer.

    Tão bom vc de volta. Ajuda no meu equilúbrio.

    PS: o seu comentário em "Sol de Inverno" foi o melhor presente que pude ganhar nesses últimos dias. Você me conhece tão profundamente que sabe até das palavras que um dia escreve, e que estou lançando fora. Essas que não ficam escritas, mas que nos marcam muito mais profundamente.

    Bjos, Kk

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  2. Sim, "E àqueles a quem sempre, tudo faltou foi dado a conhecer a outra face da desolação: a desolação da abundância tornada em sobras; do chouriço apodrecendo à falta de apetite a que servir.", esse foi um dos momentos de maior perplexidade assistindo ao filme, e o mais sintético dele no texto!

    Esse foi um daqueles né amiga?! Ótimo!

    beijos

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  3. Há tempos procuro este filme, mas nunca encontrei. tentei postaum cometário para Elis e não consegui, se puder, diga a ela que também estou na sintonia.

    Abs.

    Sérgio Vaz
    Vira-lata da literatura

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