quinta-feira, 2 de abril de 2009

Recomeço

A clarividência do fim das coisas, de todas as coisas, voltou a atingi-la com tanta força que fazia a lucidez rodopiar, louca, em êxtase! De novo essa história de fim? De novo. Sério? Sim, trata-se de assunto de primeira grandeza. Havia uma última vez para tudo que era, e os transeuntes pareciam ignorar que a roda seguia apenas o movimento da Terra, transformando incessantemente a matéria, fosse qual fosse sua natureza.

O sol de tarde, que era o melhor sol para os pensamentos de sanha, brilhava tímido entre nuvens gordas que escondiam seu mau humor no cinza dos vestidos apertados que lhe abotoavam até o pescoço, sufocando. Enquanto o pensamento – ...o fim das coisas, para tudo havia impreterivelmente uma última vez... – executava laboriosamente seus malabares dando muitas traduções para si mesmo, em diversas formas, diversas... possibilidades... eram suas obsessões: o fim das coisas e a existência das possibilidades.

Ironicamente, enquanto suava do esforço de tentar manter dentro de si o rebuliço que fazia a ciência nefasta do fim de tudo e do infinito de possibilidades entre o agora e seu ponto final, as nuvens de raiva, ante tanta magia pura pulsando naquela matéria vagabunda de poeta sem razão, choram, choram lágrimas grossíssimas, rosnam trovões e rasgam-se em raios, mortais nos descampados, rezando para acertar alguma mocinha bem-feita, que morra! Para não ser mais capaz de gozar, já que as nuvens tem por sina a ingrata missão de vagar desfazendo-se o tempo inteiro sem nunca poder tocar, senão por um leve, um levíssimo momento de caricia etérea.

Choviam, choviam copiosamente as nuvens, sem dar conta que acabavam era por representar o ciclo eterno da vida para morte para a vida, alimentando ainda com mais requinte o pensamento que se multiplicava em mil pensamentos naquela sala de espelhos que era sua mente.

Sorriu. A chuva... toda aquela água prenhe de vida, aguando para o bem ou para o mal, tratava de embalar o último ato do pensamento: não era para ser evitado o fim em nenhuma instância, não há que se ter susto com sua aproximação tão prenunciada... o fim está próximo... é claro que sim, pois sua marcha reta tem início bem no exato momento do começo das coisas! Fechou o guarda-chuva com cuidado, e seguiu seu caminho sentindo cada gota daquelas refrescar sua agitação. Prenhe ela também, carregava no baixo-ventre a sensibilidade de reconhecer as nuances das possibilidades que vêem com a perspectiva do fim das coisas, não mais com a mente ou com o coração, mas de corpo inteiro.
Elisangela Barbosa